quinta-feira, 24 de setembro de 2009

As mulheres a frente das adegas


Senhora das Vinhas
Entrevista para a Revista DADA


Fascinada pela vinha, Graciete Monteiro apaixonou-se pela Quinta Vale de Fornos, há cerca de 30 anos, quando assumiu os comandos da propriedade, mandada construir por Dona Antónia Ferreira. Determinada e inovadora, lutou num mundo liderado por homens e vingou, dinamizando o sector dos vinhos na região

Quem é Graciete Monteiro?
Já tenho perguntado isso a mim própria, várias vezes. Sinceramente, não sei. Acho que sou um conjunto tão diversificado de coisas e sentimentos que não faço bem ideia de quem sou. Acima de tudo sou uma pessoa muito dedicada à família. Depois, gosto muito de trabalhar; trabalho porque gosto. E sou muito exigente comigo e muito pouco exigente com os outros. Não sei. Não me sei definir muito bem, tenho alguma dificuldade… Gosto muito de coisas requintadas, tenho o prazer das coisas requintadas e cuidadas.

Hoje é responsável pela Quinta Vale de Fornos, propriedade antiga, com grande valor patrimonial. Como é surgiu a oportunidade de, há cerca de 30 anos, adquirir este património, na época pertence de D. Pedro de Bragança?
Sim, estou cá há, mais ou menos, 30 anos. Foi uma oportunidade que surgiu ao meu pai e o meu marido. Ambos estavam interessados em comprar uma quinta e houve a oportunidade de adquirirem esta.

Eu nunca tive o mínimo interesse em comprar a quinta, antes pelo contrário. Na altura, dizia: nem pensar meter-me numa quinta, não percebo nada de agricultura, nem quero perceber, não é a minha vida. E depois, não me pergunte porquê, porque não sei explicar, mas deu-se, exactamente, o inverso: fui a única pessoa que se apaixonou pela quinta – o que não quer dizer que a minha família não goste. Passo a minha vida aqui, estou inteiramente ligada a isto e faço disto a minha própria vida.

Esta quinta esteve quase sempre ligada a gente da nobreza. Vem de uma família nobre?
Não. Somos de sangue vermelhíssimo. (risos) Não somos nada nobres, no sentido a que, normalmente, se diz de ter sangue azul. Somos pessoas de trabalho, toda a vida fomos pessoas de trabalho. Tanto o meu pai como o meu sogro eram pessoas conhecidas, da zona de Santarém, mas tudo aquilo que conseguimos na família tem sido à custa de trabalho.

Eu nasci em Almeirim, mas vivi em Santarém. Casei aos dezanove anos e fui viver para o Porto, onde o meu marido estudava, na Faculdade de Engenharia. Depois fui viver para Lisboa, onde ainda tenho casa, vindo depois para aqui, onde tenho estado, praticamente, sempre.

Como é dirigir uma casa com tanta história e tradição?
Agora não é nada difícil, é extremamente fácil. Fácil no sentido de dirigir. Tenho imenso respeito pelo meu pessoal, damo-nos todos lindamente, não temos problema nenhum.

Quando cheguei, há 30, foi difícil. Era uma mulher, para eles [funcionários] era uma senhora que não percebia nada de nada, que estava aqui a fazer o que não devia. Nunca tinham sido dirigidos por mulheres… Foi difícil, na altura. Agora é extremamente fácil, não tenho qualquer problema com o pessoal.

Quer dizer que, logo de início, lhe foram incumbidas as responsabilidades de direcção da quinta.
Pelo contrário. Não me foram incumbidas, eu assumi-as. (risos) Eu comecei a assumir as responsabilidades da quinta. Comecei a dedicar-me a isto; a estudar alguma coisa sobre vinha e sobre vinhos, porque não era a minha área. Comecei a ligar-me a pessoas deste ramo, para tentar aprender; comecei a fazer imensas viagens para Bordéus e outros lados, para ver o que se fazia no estrangeiro. Comecei a querer trazer, não só para a minha casa, mas também para o Ribatejo, a imagem de uma quinta que produzia um único produto. E escolhi o vinho porque sempre tinha existido o vinho nesta casa, desde 1863. Em 1990, engarrafei o primeiro vinho. O primeiro VQPRD (Vinho de Qualidade Produzido em Região Determinada), como se designava na altura, da região foi da Quinta Vale de Fornos.

Sente-se orgulhosa por dar continuidade à obra iniciada por Dona Antónia Ferreira, uma mulher que, no século XIX, foi determinante na salvação dos vinhos do Porto?
Posso garantir que tudo aquilo que tenho querido fazer, e pretendo continuar sempre, é prestigiar não só a casa, mas também o nome de Dona Antónia Ferreira, porque, realmente, ela foi uma pessoa que teve uma força brutal no mundo dos vinhos e por quem eu tenho uma admiração total e, portanto, serve-me de ponto de referência.

Também foi difícil no mundo exterior. Tive que cimentar a minha personalidade. Eu fui sempre igual a mim própria. Estando eu num mundo de homens ou num mundo de mulheres fui sempre eu própria. Mas senti que foi difícil entrar num mundo de homens, há 30 anos. Foi preciso ter sempre os pés bem assentes na terra, e fui sempre forte no percurso que fiz. E hoje sinto-me, perfeitamente, à-vontade neste meio. Sinto que, tanto a camada mais jovem como a mais antiga, todos me têm consideração. Mas também tive de trabalhar e de lutar muito. Fui fundadora da criação da Comissão Vitivinícola do Cartaxo, da Comissão Vitivinícola do Ribatejo, também fui fundadora da Viticartaxo… Como mulher, tenho estado sempre ligada a todas as actividades que se têm feito no Ribatejo, para dar algum relevo ao vinho. E gosto muito.

Aprendeu a gostar?
Sim. Eu nem gostava de degustar um vinho, quer dizer, não tinha o hábito, sequer, de beber. Eu gostei sempre muito de vinhas; tinha uma atracção especial pelo verde da vinha e pela planta. Claro que quem tem vinhas tem de gostar de vinho. Depois aprendi a gostar de vinho, mas gosto mais de vinhas que de vinho.

Tal como a Ferreirinha, que foi inovadora na sua época com as técnicas que implementou na produção vitivinícola, considera-se uma mulher inovadora, no meio de tão forte tradição que carrega esta quinta?
Sim. Isso não posso dizer que não tenha sido. Entrei numa casa tradicional que tentei modificar, dando-lhe uma imagem, que na altura, na região, não havia. Tentei dar-lhe um outro carisma; de ser só um casa ligada aos vinhos, em que as pessoas pudessem visitar as vinhas. Tentei desmistificar a imagem de uma quinta fechada. Nesse aspecto, sinto que sim, que trabalhei, junto de muitos colegas meus, dinamizando essa ideia de que, cada vez mais, estas casas têm de estar abertas ao público, para que as pessoas as possam ver e perceber o que é que existe nesta e noutras regiões. Sinto que isso foi bom e que tem muito interesse para as pessoas que visitam as quintas.

Que grandes inovações implementou, ao longo deste anos, na gestão desta propriedade, nomeadamente na área vitícola?
Tive uma coisa muito inovadora que tive muita pena que não tivesse sido aceite. Como lhe disse, fiz e faço várias visitas por vários países, à procura do que há de novo, e encontrei em Espanha uma coisa muito interessante, que foi o facto de se fazerem enxertias em Agosto. Toda a gente, quando eu falava nas enxertias em Agosto, dizia que era uma coisa perfeitamente louca, que não era possível.

Resolvi ir à delegação regional de agricultura em Jerez falar sobre a hipótese de fazer isto em Portugal. A resposta que me deram foi que não teria qualquer dificuldade e que enviariam cá um engenheiro. Voltei para casa, falei com o pessoal sobre o assunto e senti uma reacção fortíssima. Pensei logo que iria ser um fracasso, porque iria trazer cá o engenheiro e o pessoal não iria querer aprender com ele, e ia ficar com uma situação complicada.

Resolvi voltar para o Jerez e coloquei o problema a um amigo, de há muitos anos, de modo a resolver a questão de outra forma, sem arranjar grandes problemas. Esse meu amigo cedeu-me pessoal que tinha de férias. Esses homens aceitaram vir, na condição de trazer também as mulheres e de lhes mostrar Lisboa. Assim vieram, e criou-se uma relação de tal maneira forte entre eles e o meu pessoal que a enxertia correu lindamente. A minha vinha branca foi toda enxertada no mês de Agosto, mas recorri à parte oficial para que viessem ver, porque poderia ter algum interesse, mas ninguém apareceu. Só houve uma técnica que, a título particular, cá veio ver por curiosidade. Ninguém mais ligou importância nenhuma.

Essa sua atitude com o pessoal poderia ter sido diferente, ou seja, poderia ter levado avante essa sua vontade, apenas trazendo o técnico. Isso demonstra que tem respeito e consideração pelos seus funcionários.
Por isso lhe digo que, hoje, não tenho a mínima dificuldade em lidar com os meus empregados. Eu percebi que se trouxesse aqui um técnico, que lhes impusesse essa técnica dava asneira, ia haver uma rejeição natural. Não poderia, por isso, impor a técnica dessa forma.

Para mim é extremamente importante a relação de confiança e de à-vontade que existe com o meu pessoal. Eu gosto de viver num ambiente agradável com eles; gosto de estar bem e gosto que eles estejam bem. E utilizo sempre uma linguagem muito franca com eles. Se há problemas, eles estão sempre a par, assim como quando não há problemas. Eu passei o 25 de Abril aqui e posso dizer que, felizmente, o passei muito bem, sendo que na região houve muitos problemas e, inclusivamente, eu tinha aqui trabalhadores inscritos no Partido Comunista. Eu não tive problemas nenhuns. Sempre usei uma linguagem muito clara com o meu pessoal: vocês são o que quiserem – eu não imponho a ninguém que seja isto ou aquilo – e eu sou o que eu quero. Portanto, entendemo-nos todos bem.

Conta com a ajuda de quantos funcionários?
Neste momento, somos doze. Somos poucos para o que fazemos, mas um bocadinho demais para pagar. (risos)

Mas tem um braço direito?
Tenho um enólogo, permanente, e tenho, também, dois homens que estão na vinha, mais ligados à vinha e à adega, que já cá estão há vinte e muitos anos.

O que é que distingue os vinhos da Quinta Vale de Fornos?
Se os pudesse distinguir de uma forma especial, eu diria que são vinhos feitos com muito amor e sacrifício. Mas esta definição não chega ao consumidor.

Mas considero que estamos a fazer uma reestruturação grande nos nossos vinhos; estamos a torná-los mais actuais. Neste momento, utilizamos técnicas mais modernas e temos os nosso vinhos bem posicionados no mercado. Exportamos para vários países e temos uma boa aceitação. Estive há dias na Suíça e fiquei, francamente, satisfeita com a aceitação que os nossos vinhos têm lá, em várias cidades, em vários restaurantes. No Brasil também estivemos, recentemente, a fazer provas em regiões do interior e fiquei bastante satisfeita.

A Quinta promove outras actividades, como a promoção de eventos.
Temos vários eventos e parcerias com várias empresas, também na área da formação, cedendo salas... Agora temos a hipótese de fazer o baptismo a cavalo.

Por aqui também passou Cristóvão Colombo e nós, neste momento, estamos a tentar desenvolver passeios, reconstituindo todo esse caminho, que está provado que foi feito por ele, depois de ter descoberto a América, e por aqui passou para anunciar a descoberta a D. João II, que se encontrava em Vale do Paraíso. Demorámos algum tempo a ter a certeza de que tinha sido este o caminho e então vamos começar agora a desenvolver, também, essa vertente.

Que importância têm todas estas actividades na manutenção de todo o espaço, nomeadamente da casa senhorial, que ainda mantém a traça inicial?
Estas actividades são um complemento para a manutenção da casa, sim. Por exemplo, no Natal, muita gente que já cá veio antes em eventos, como casamentos ou até através de acções de formação de empresas, volta para comprar vinhos.

E temos sempre a preocupação de manter a traça inicial da casa que, todos os anos, é caiada com a mesma cor. Sempre que há modificações, há sempre a preocupação de as fazer, sem que se percam as suas características.

No meio das actividades promovidas, qual destacaria como a mais bem sucedida?
São sempre os vinhos. A base, a estrutura da casa, está nos vinhos. Esta é, essencialmente, uma casa agrícola.

E qual delas destaca como a que lhe dá mais prazer desenvolver?
Eu gosto muito da área dos vinhos. Mas na área dos eventos eu gosto muito da parte minuciosa da decoração. Fico sempre muito aflita quando me aparece uma noiva a dizer que não tem ninguém que a ajude – penso logo que arranjei um sarilho. (risos) Fico logo disponível para ajudar, porque gosto muito da parte criativa. Mas é uma coisa passageira e o vinho não. Uma videira é como uma criança, precisa de cuidados, de ser bem tratada. A videira tem muito a ver com o ser humano.

Arranquei há pouco uma vinha, que era de 1932, e custou-me tanto, tanto. Mas tinha de ser, porque só já me estava a dar prejuízo. A videira é como se fosse um filho, segue connosco a vida inteira. Todos os dias vou à vinha; ver se elas estão direitas, se têm alguma doença… É quase a mesma coisa de estar a tratar de um ser humano. Parece exagero estar a dizer isto, mas é exactamente igual.

E é esse trabalho que a faz feliz e realizada?
É. Realiza-me imenso. Eu sou muito mais mulher de campo do que mulher da cidade. Vou muito a Lisboa, gosto imenso de lá ir; ao cinema, ao teatro, a festas, estar com os amigos, mas a minha base é a Azambuja. Eu tenho casa em Lisboa, mas venho sempre ficar à Azambuja.

Eu nunca tinha vivido no campo. Vivi sempre na cidade e depois de vir para aqui percebi que é disto que eu gosto. Gosto imenso de desenhar jóias, é um fraco que eu tenho, e acho que isto me ajuda, também, nessa área.

É sua intenção deixar esta propriedade aos seus descendentes?
É minha intenção, sim.

Neste momento, os meus filhos não estão motivados, nem se metem muito nas actividades na quinta, porque eu estou muito ligada a isto e ainda sou eu que dirijo a casa, mas eles vão dar seguimento. Até porque temos um projecto para um hotel, com SPA de vinhos.

Há uma ligação familiar muito grande de toda a família; aqui casou a minha filha, aqui foram baptizados todos os meus netos... Creio que não haverá dificuldade na família em continuar

Fonte: Blog Vale dos Fornos

Um comentário:

  1. Muito boa matéria,quando se pega amor por alguma coisa é maravilhoso principalmente por um trabalho como esse.

    ResponderExcluir