domingo, 31 de maio de 2009

COMO O BRASIL CONSOME VINHO.


Isto É - SP
01/11/2008 - 10:01
Como o brasileiro toma vinho

O especialista Ciro Lilla, que tem livro e DVD sobre o tema, revela características e preconceitos do consumidor
nacional
Carlos José Marques e Luciano Suassuna

Primeiro era um prazer. Há 25 anos, Ciro Lilla abriu com amigos um grupo de degustação que desafiava a péssima qualidade do
vinho nacional e os altos impostos anteriores à abertura econômica do governo Collor. Depois virou um hábito. Como muitos
apaixonados pelo vinho, ele incorporou tintos e brancos ao cotidiano, viajou por vinícolas, leu e se aprofundou nesse universo. Logo,
a paixão fez escola. Em 1989, foi fundador e primeiro presidente da seção paulista da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS),
que hoje forma 1.200 alunos por ano no curso básico, ideal para amadores e entusiastas, além de 400 no curso profissional, voltado
para a mão-deobra de restaurantes e importadoras.
Era previsível, portanto, que o envolvimento virasse negócio. Desde 1993 Lilla passou a dividir seu tempo na indústria de máquinas
para processamento de café com uma importadora. Nesses 15 anos, Lilla, 59, montou o maior catálogo de vinhos de qualidade do
País, com 2.845 rótulos de 234 produtores de 18 países numa empresa e 1.050 rótulos noutra importadora. Como representante da
Associação Brasileira de Bebidas, acabou virando porta-voz do setor nas negociações com o governo. Tem um livro e um DVD
sobre o assunto. À ISTOÉ, ele aponta como se deu a revolução do consumo no Brasil e revela características, erros e preconceitos
do brasileiro na sua relação com o vinho.

A revolução no consumo

"Houve uma verdadeira revolução em 20 anos. Antes, os poucos ricos que bebiam faziam questão de só eles entenderem com suas
confrarias fechadas. Hoje tem uma classe média alta com um nível de conhecimento muito grande porque o vinho virou assunto.
Esse salto se deu primeiro com a diminuição do imposto e depois aconteceu uma série de coisas: cursos como os da ABS se
popularizaram, as listas de preços das importadoras passaram a falar uma linguagem mais informativa e teve o papel do paradoxo
francês (o estudo que provou que um dos elementos do vinho tinto ajuda a reduzir a possibilidade de infarto, mesmo com uma dieta
relativamente gordurosa). Até hoje tem muita gente que vem aqui como se fosse uma farmácia: 'O médico falou para eu passar para
o vinho. Como eu começo?'"

A etapa da popularização

"O brasileiro bebe vinho apenas em ocasiões, nem que a ocasião seja a ida a um restaurante. O Brasil só vai ser um verdadeiro
consumidor quando na novela das oito o empregado também estiver tomando vinho."

O charme

"Uma das coisas que eu acho que cativa todo mundo é o fato de com a mesma coisa, a uva, você conseguir fazer tanto.Essa diversidade, que é a graça do vinho, vem do fato de que a maioria dos produtores é de pequenos. É brutal a
disparidade entre a fama do produtor e o tamanho do negócio dele. O René Barbier, por exemplo, que é o pai da revolução do
Priorato (na Espanha), produz um vinho famoso no mundo inteiro. Mas ele até hoje não vai na Vinexpo (a feira mais badalada da
França) por falta de grana. Quando foi, foi de trailer para não pagar hotel. Se você faz uma indústria enorme, uniformiza. Nos países
comunistas, nunca apareceu um grande vinho, porque a graça está na criação."

Os enochatos


"O 'enochato' quer falar de vinho sempre, mesmo com quem não está interessado. Mas o pior é o 'enoinimigo', que pega um copo e
fica desfilando aromas. Isso afasta as pessoas e é uma bobagem. Às vezes o vinho te lembra alguma coisa que já existe na
memória. Mas é um absurdo você aprender o que cheira a alcaçuz para poder falar no dia em que o encontrar no vinho. É como
perfume. A pessoa de bom gosto reconhece um bom perfume, mas nunca vi alguém ficar cheirando o pescoço da mulher e dizer
assim: 'É almíscar.' É o conjunto que vale."

Preconceito contra o branco

"Eu acho que São Paulo e Rio ditam a moda. Por exemplo: quase não se bebia vinho branco no Brasil. Por causa do paradoxo
francês, muita gente começou pelo tinto. Essa é uma coisa. Outra é uma associação boba que muita gente faz: o cara começa
gostando do branco doce, depois gosta do branco seco e depois do tinto. Só que, por algum motivo, as pessoas acham que
deveriam deixar de gostar do anterior. É como o gourmet: a criança começa gostando do doce, depois do salgado, depois do
picante, mas não é por isso que o gourmet não gosta da sobremesa. Então, ficou a idéia de que o vinho branco é de quem não
conhece vinho. Isso é uma bobagem enorme.

O erro da temperatura

"No Brasil, o branco é servido muito gelado e então você não sente o gosto, o aroma e ainda atrapalha a digestão. Na Europa, o
cara tira o vinho da geladeira a oito ou nove graus, serve e a garrafa fica na mesa. Aqui, tira e vai para o balde de gelo. Depois de
meia hora, aquilo está perto de zero grau. A digestão não funciona. Você não sente gosto de nada, porque a papila gustativa está
amortecida. Nessa temperatura as moléculas não se desprendem do líquido, então não se sente o aroma. Uma vez estava na Bahia
a 40 graus de temperatura e o cara tomando um Malbec argentino na beira da piscina, intragável àquela temperatura, e tacou no
balde de gelo. Deu vontade de chegar e dizer que já inventaram a solução para isso: é vinho branco ou rosado."

O sucesso dos chilenos

"O Brasil teve a grande sorte de ser vizinho do Chile. É uma fonte segura de bons vinhos a bons preços. Muita gente acha que o
melhor da Argentina é melhor do que o melhor chileno. Só que no nível mais baixo a Argentina tem vinho muito fraco e o Chile não tem.

Vinhos caros

"A grande maioria das devoluções, que são poucas, é de vinho caro. E demoramos a descobrir o porquê. O sujeito está acostumado
a tomar um determinado padrão de vinho, digamos um vinho de R$ 80. Aí ele vai celebrar uma data especial, pede um vinho de R$
600 e espera uma experiência gustativa que não existe. É como o filé no melhor restaurante. É o melhor, mas continua sendo um
filé. Não é uma 'outra coisa'. Assim, muita gente se frustra com o vinho caro."

Envelhecimento

"O vinho hoje em dia chega pronto. Com o tempo, ele vai ficando diferente, às vezes é para melhor e às vezes não. Faz parte do
jogo da surpresa. Poucos vinhos duram décadas e melhoram."

Sommelier

"Sommelier só deve dar opinião se o cliente pedir. O cliente deve ficar desconfiado quando pede a carta de vinhos e o sommelier
tem na ponta da língua uma sugestão. Pode ter um interesse em vender aquele vinho."

Preço

"Na Europa, muitas vezes um copo de vinho é mais barato que a Coca- Cola. O vinho no Brasil é caro, tanto o importado quanto o
nacional. O problema é basicamente imposto. Aqui você vende o vinho por umas quatro vezes mais do que você paga na origem. É
muita coisa. Só tem um agente que ganha muito dinheiro com vinho no Brasil: é o governo. No vinho nacional 50% são de imposto.
O grande vilão são os Estados, o ICMS de 25%."

Vocação brasileira

"Na Serra Gaúcha o clima e o sol são adequados para produzir talvez o melhor espumante do Hemisfério Sul. Não precisaria
produzir mais nada. Mas é a tal história, aqui nós não podemos ser vice-campeões, então tem que ser bom em tinto, em branco e
em espumante. O Nordeste tem uma vocação para matar a sede do brasileiro de vinho, para produzir vinho simples, decente e
wbem-feito, em grande volume. Mas teria que ter embalagem mais acessível, tudo mais simples e aproveitar esse potencial de ter
duas ou três safras por ano lá, e nunca ter geada."

Harmonização

"O fato é o seguinte: quem prova um bom vinho na refeição nunca mais vai tomar outra bebida. É o acompanhamento ideal, pelo
grau alcoólico, pela qualidade, tem acidez e tanino para combinar com a comida. Basicamente prato leve pede vinho leve, prato
encorpado pede vinho encorpado. Um peixinho no vapor, se você colocar com um grande tinto concentrado, não vai sentir o gosto
do peixe. Se você pegar um branco levinho e servir com cabrito temperado, vai parecer que está tomando água."

Feijoada e vinho

"Feijoada combina muito bem com vinho tinto. O que não combina é feijoada, vinho tinto e calor. Aí é explosivo. No ar-condicionado
ou no frio, um Barbera italiano e o Tannat uruguaio vão muito bem com feijoada."

Os prazeres

"O vinho tem quatro fontes de prazer. Uma é a cor, simplesmente porque é bonita, admirável, cheia de nuances. Depois o buquê, o
aroma. Em seguida, o gosto e, em quarto, o quanto do gosto fica na boca. A dica: qual é a assinatura do grande vinho? É a
persistência. Todo grande vinho fica bastante tempo na boca, todo vinho simples passa rapidinho."

Degustação

"O vinho que tem muita cor, muita concentração e muito álcool na degustação se sai bem. Eu imagino que é a questão da mulher
exuberante e da mulher elegante. A exuberante chama mais a atenção."

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